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    O Menino das Estrelas

    O Menino das Estrelas

    Uma espécie de segredo




    Alucinada corria pelo asfalto da madrugada.

    Percebia a paisagem se desmanchando.

    Seus pensamentos em revoada.

    Trazia consigo à mão, um relógio de bolso aparentemente quebrado, mas de reluzido dourado e um pincel.

    E corria, mas como corria, pela rua enluarada.

    Sua pressa parecia justificada, pois todas perspectivas sucumbiam, bilhões de anos atravessavam os minutos, exceção notada do horizonte.

    Pois era nesse sentido que corria e corria.

    Freneticamente, sem alterar o ritmo.

    Ás vezes parecia que iria rasgar o véu do horizonte.

    Não, não...

    Ela apenas queria chegar a tempo de presenciar o sol nascer.

    E corria muito, sem nunca ousar olhar pra trás, sabia que por onde passava nada restava.

    Mas não parava de correr, isso nem pensar.

    Se parasse abrir-se-ia um abismo, seria tragada.

    Eis então que Ela, já enfim, aonde o cimento não chegara, debruçou-se entre dois montes.

    Foi quando o sol começou a despontar, quase imperceptível.

    Trazia consigo uma única lágrima que sequer evaporou-se.

    A lágrima da melancolia por vezes chega sozinha.

    E melancolia é uma tristeza sábia, pois aceita a dor do momento, se recorda e agradece os tempos felizes, e o mais importante: traz consigo a esperança de um novo tempo.

    O que se passava por ora eu não sabia.

    Tudo me parecia sublimemente misterioso.

    Mas arrisco jurar que presenciei o inexplicável, naquele dia o Sol nasceu sem cor alguma, sequer brilho trazia, era visivelmente não mais que as linhas que traçavam seu contorno.

    Foi então que Ela tranqüilamente soltou alguns parafusos e desmontou o relógio de bolso que trazia.

    E quem diria...

    Ao invés das engrenagens que esses relógios possuem em sua barriga, Ela encontrou ali pedrinhas de tinta guache.

    Não mostrou surpresa alguma (e por isso desconfiei que havia uma espécie de segredo entre o Sol e Ela), molhou o pincel na lágrima da melancoesperança que ainda escorria pelo rosto do Sol (as lágrimas da melancoesperança escorrem vagarosamente) e em seguida o esfregou nas pedrinhas de guache para colorir o Sol e fazer raiar o dia.


    Fernando Guimarães

    2 comentários:

    Unknown disse...

    Não sei por que me surpreendi.
    Na verdade já pressentia sua intimidade com os verbos e versos e adjetivos...com as palavras. Poesias intensas e adoráveis, suaves e viscerais.
    Apaixonante.
    Parabéns!

    Cléo De Páris disse...

    é lindo, Fernando! uma jóia esse texto. melancoesperança... acho que vou pensar nisso. beijo